Paulo Franke

16 maio, 2012

2. Aos descendentes de Carlos e Adolphina (Ebling) Franke


- Segunda Parte -



Hoje ao acordar as lembranças de cada parente mencionado na postagem anterior acordaram comigo. De alguns cristalina, de outras envoltas no "tempo e no vento" por serem lembranças infantis distantes. 


Ajuda-me nesse sentido o fato de que a maioria - no final da década de 40 (e bem antes) e na de 50 - vivia perto da casa de meus pais, na Avenida Bento Gonçalves (foto) ou na transversal Rua Prof. Dr. Araújo. E por que isso tendo em vista que a cidade de Pelotas-RS  já ser considerada naquele tempo uma cidade de bom tamanho e a segunda em importância do estado gaúcho? O Curtume Julio Hadler S/A, na última rua citada acima,  certamente era uma das  razões, uma vez que meu avô, meu pai e mais dois de seus tios nele trabalhavam, portanto viver à volta do local de trabalho tornava a vida mais prática. Por outro lado, certamente foi naquelas redondezas que Carlos e Adolphina se estabeleceram desde que transferiram residência de São Leopoldo para Pelotas no final do século retrasado.


Sem mais rodeios, vamos a essas minhas lembranças...

Bisavó Adolphina. Conheci-a já viúva e bem idosa, vivendo com sua filha Lydia, que era nossa vizinha nas duas vezes em que vivemos nas últimas quadras da Av. Bento Gonçalves (411 e 455).  E lá estava a anciã na casa da tia Lydia, quietinha e sentada com um chale nas costas.  Seu sotaque alemão era muito forte e quase não a entendíamos, mas ela dizia um versinho para meu irmão, de quem gostava muito, algo assim: "Bate, bate cuca, pega na 'xiruca' , o Pedrinho não vai na venda, não ganha cuca!" (cuca, do alemão kuchen, um pão doce coberto de açúcar). Meu pai filmou-a na janela e este filme ainda existe. Ele a visitava diariamente quando estava acamada nos meses que antecederam sua morte e, pacientemente, indagava sobre o que ela "via na parede" nos seus delírios. 

João Carlos, solteiro, vivia também com a tia Lydia. Trabalhava no Curtume, mas o conheci idoso e aposentado. Era um homem alto e calmo,  muito respeitado e amado pela família. Lembro-me dele tomando chimarrão (mate) na cozinha da casa da tia Lydia, e descrevo a cena na postagem "Os velhos de minha rua"... luz fraca, o barulho do sorver do chimarrão, passando de mão em mão, as conversas entre meu pai e seus tios que passavam por cima de minha cabeça de guri, mas eu os observava atentamente. Tio Carlos de quando em quando  dirigia a lancha que meu pai tinha e passeava conosco. Lembro-me de seu velório na sala da casa de Lydia naquele tempo em que o falecido era velado na casa onde morava. Tinha um relógio de bolso com corrente que  sua afilhada e sobrinha Dulce herdou. 


Roberto, solteiro, morava também com a irmã Lydia e era mais calado e sério, de pouca conversa com os sobrinhos-netos. Lembro-me dos "tamancões" que ele usava, um tipo de calçado acho que "made in curtume", onde também trabalhava. Era da roda do chimarrão de todos os fins de tarde, mas ali conversava bastante. Depois lembro-me dele, muito magro, enfermo no seu leito de morte, cuidado com carinho pela irmã. E fui ao seu enterro e o vi dentro do caixão na sala. Então, voltar àquela casa, ainda que nos alegrava ver o macaco de brinquedo que a tia tinha e que mexia com a cabeça, no ar  era presente a  falta dos seus irmãos, o que se agravava ao passar pelo quarto deles, indo para o pátio.

Arthur, tio que morava na rua transversal, casado, de profissão sapateiro. Parecia-me um homem alto, bondoso, e outras lembranças dele giram em torno da "roda do mate" acho que diária. Nos anos 90, quando vivemos nove meses em Pelotas, demos uma boa cobertura à tia Amália, sua esposa, que vivia em uma casa geriátrica. Quando faleceu, a pedido da filha dela, fiz a cerimônia do enterro.

Alberto. Este tio-avô vivia em Porto Alegre que naquele tempo parecia localizar-se a uma grande distância de Pelotas - hoje a somente três horas e meia de viagem. Lembro-me dele, vagamente, quando veio visitar sua mãe e seus irmãos.

Lucia, a mais velha dos tios-avós que morava na Prof. Dr. Araújo. Fisicamente frágil, muito amada por seus irmãos e parentes de modo geral, era tida como uma santa mulher. Recordo-me dela indo ao armazém do Laranjeira; nesses rápidos encontros falava conosco não como a crianças, mas de igual para igual, plena de bondade e doçura. Casou-se e teve somente uma filha, Ceci, diferente de sua mãe no temperamente, muito brincalhona, mas parecida no sentido de dar-nos importância e conversar conosco, crianças. Quando Lucia faleceu, no final dos anos 60, Lydia e Mario, que moravam no Rio de Janeiro, lamentaram grandemente  sua morte e eu presenciei o momento sofrido da perda para eles da amada irmã mais velha.

Lili, viúva, vivia na casa de sua filha mais velha na Prof. Dr. Araújo e depois na Rua Marcílio Dias. Era uma tia calma, bondosa e que revelava possuir um senso de humor todo seu. Ainda que morasse perto de nossa casa, visitáva-nos com certa frequência. Lembro-me do seu caminhar, com passos curtos mas seguros. Quando a mencionada Lydia faleceu no Rio de Janeiro, no final dos anos 70, ela e o irmão caçula Mario estavam no hospital e creio que presenciaram sua partida. Nesta viagem que fiz a Pelotas, visitei seu genro que me cedeu algumas fotos que pertenciam a ela, motivo pelo qual foi possível esta significativa postagem.

Mario, o caçula dos irmãos que morava no Rio de Janeiro e que com certa frequência vinha visitar sua mãe e seus irmãos em Pelotas. Alto e gordo, esbanjava bom-humor e contava muitas piadas. O fato de deslocar-se do Rio até o sul do Brasil demonstrava que era também um sentimental. Certa vez, convidou minha irmã para acompanhá-lo aos "trilhos", um lugar perto de nossa casa onde há anos passava um trem. Ele brincava ali quando criança e em certo momento deitou-se entre os trilhos e ali ficou inerte, alheio recordando o passado distante, enquanto minha irmã em pé ficava imaginando o que diria quem passasse. Era muito amigo de meu pai que às vezes o visitava no Rio e filmava seus passeios. Lembro-me de um em que ambos caminharam pela Serra dos Órgãos, no estado do Rio. Encontrei-o muitas vezes quando morei em São Gonçalo-RJ, em 1969, e o visitei em sua casa meses antes de falecer, ocasião quando me mostrou fotos de sua viagem à Europa e uns papéis de algo que inventou e beneficiou financeiramente o Banco do Brasil, onde trabalhava há muitos anos, sendo devidamente reconhecido pelo seu feito.

Olga, a tia-avó que morava em Pelotas, mas "muito longe, lá pelos lados da Escola Assis Brasil!" Teve 13 filhos que cheguei a conhecer todos, mas não seu esposo, a quem me lembro de minha mãe chamar carinhosamente de "tio Nenê", de sobrenome Barum. Não a víamos com tanta frequência (pudera, mãe de 13 filhos!), mas me recordo de uma visita que nos fizera, depois quem sabe de ter visitado seus irmãos na redondeza, e ficou na minha mente a lembrança de seus olhos de um azul brilhante e fala macia e calma. Quando soubemos de sua morte, sendo o único dos meus irmãos que ia a enterros com meus pais, de algo nunca me esqueci... Quando cheguei ouvi o choro alto principalmente de seus filhos. Então, começou o culto por um reverendo da Igreja Episcopal Anglicana, a qual muitos membros da família pertenciam, inclusive meus pais, e ao falar o choro de todos foi cessando e o ambiente tornou-se carregado de fé quando todos em uníssimo cantaram um hino e oraram o "Pai Nosso". Nunca me esqueci daquele ambiente carregado de emoção que se foi tornando carregado de fé.

Meu avô Germano Luiz. Penso ter sido o meu avô o primeiro dos irmãos a falecer, no ano de 1950. Eu tinha 7 anos e me recordo dele, calvo como hoje eu sou, com olhos muito azuis, um tipo bem germânico digno do seu nome. De vez em quando fazia uns agrados para os netos, dando-nos balas ou moedas. Quando sabíamos que ele ia passar, íamos para a janela esperá-lo. Trabalhou no Curtume Julio Hadler e morava também, com minha avó e seus filhos, em uma casa na Professor Dr. Araújo, perto também de duas de suas irmãs. Gostava de carros e lembro-me dos que comprava e exibia. Outras recordações ficam por conta das fotografias. Mas lembro-me de quando faleceu. Chegáramos naquele dia para o nosso veraneio na praia do Laranjal, meu pai armava pacientemente a barraca e minha mãe colocava tudo em ordem. Então alguém chegou para avisar que meu avô falecera, de repente. Foi a hora de levantar acampamento e de nós, crianças ruidosas, silenciarmos. 

O que dizer da tia-avó Lydia, a qual deixei para o final? É tanto que precisarei resumir. Já com certa idade casou-se com um viúvo que era tio de minha mãe, o tio Salles, que não cheguei a conhecer. Amava meu pai, seu sobrinho, e sua presença entre nós é viva desde que me entendo por gente. Vivíamos a poucos metros de distância, almoçava conosco aos domingos e estava sempre perto de nós. Era cabeleleira e ainda cuidava de sua mãe e de seus dois irmãos, que com ela moravam. Cuidou de cada um com desvelo até morrerem. Eram na sua casa as "rodas de chimarrão" citadas, lugar de encontro fiel dos tios-avós (penso que amava tanto seus irmãos que tinha um certo ciúme de suas cunhadas). Contava-nos de sua infância e até hoje me recordo dos detalhes de quando o Cometa de Halley apareceu no início do século passado, de "ao entardecer irem os irmãos para cima da cerca a fim de admirarem aquele espetáculo de luz diário!" Seu sonho era ver novamente o cometa, mas faleceu antes disso. Quando, por motivos de saúde, a conselho médico foi morar em um lugar de clima mais quente, escolheu o Rio de Janeiro, onde morava seu irmão caçula, no início dos anos 60. E ao partir deixou um vazio muito grande no coração de todos nós. Nos anos de 1968 e 1969, quando trabalhei em Campos-RJ e em São Gonçalo-RJ, convivi com a tia Lydia tanto em Copacabana como quando se mudou para a Rua Riachuelo, no centro, e a visitava com frequência, "filando" seus almoços (ainda era solteiro e me alimentava mal). Não era uma mulher meiga aparentemente, e às vezes sua "frankeza" à la alemã era inserida em suas palavras, mas tia Lydia é lembrada por todos como uma mulher trabalhadora e altamente prestativa, que se desdobrava em ajudar a quem quer que fosse, parentes, amigos ou vizinhos, uma pessoa que no seu interior e em suas ações denotava uma simples grande palavra: amor.


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Próxima postagem, a final da série:

3. "Aos descendentes de Carlos e Adolphina (Ebling) Franke" 

- mais fotos (do rótulo da cervejaria de Carl, de parentes dos meus tios-avós, da tia Lydia visitando-me em Brasília, dos meus saudosos pais, de objetos que pertenceram aos meus avós etc.)


 - mais documentos (dos alemães que emigraram para o Brasil etc.) 


-  e mais gratas e saudosas lembranças...

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7 Comments:

  • Bela coletânea, Paulo!
    Parabéns.
    Forte aBRaço.
    Vitor

    By Blogger Vitor Rolf Laubé, at quarta-feira, maio 16, 2012 4:44:00 PM  

  • A vó Lili era muito querida...pena que eu só a conheci quando tinha 5 anos e logo ela já faleceu, mas de algumas coisas eu lembro, como o rádio de pilha que escutava, o seu vestido azul marinho..Era um amor ela.. saudades.

    Te parabenizo Paulo por fazer essa pesquisa de nossos descendentes.. Fico muito orgulhosa! Abraços!

    By Anonymous Larissa Lysakowski Venzke, at quarta-feira, maio 16, 2012 6:58:00 PM  

  • Vitor, obrigado pela foto de tua bisavó, parenta dos tios-avós; vou publicá-la na terceira e última postagem.

    Larissa, que bonitas palavras, e a tia Lili bem que merecia!! És tu quem tem a foto dela com a tia Lydia? Recordo-me que eram muito amigas. Apressa-me a envia-la, OK? Beijo.

    By Blogger paulofranke, at quinta-feira, maio 17, 2012 9:34:00 AM  

  • Parabéns, Paulo: que bela reportagem que fizeste sobre teus antepassados. Quisera eu poder fazer semelhante pesquisa. Amei. Abraços da Ceára

    - a Ceára foi vizinha nossa, e amiga, por muitos anos, e conheceu a maioria dos tios-avós citados nestas postagens.

    By Blogger paulofranke, at sexta-feira, maio 18, 2012 10:23:00 AM  

  • Oi Paulo! Tenho lido o teu blog, está muito interessante e nos dá conhecimento de muita pessoas que ignorávamos, ouvíamos falar mas não conhecíamos certos detalhes a respeito delas. Abraços
    - Carmem Barum

    By Blogger paulofranke, at quinta-feira, junho 07, 2012 5:24:00 PM  

  • Tenho visto sempre o teu blog, muito interessante, acho que sou bastante nostálgico e gosto do antigo e do passado, aquela lembrança tua da vó Dolfina q tanto gostava de mim e me punha no colo a falar em alemão comigo, foi um resgate teu sobre o meu passado de criancinha que lembro até hoje.

    By Blogger paulofranke, at sábado, junho 30, 2012 6:54:00 PM  

  • Primo. Estou lendo os post para o pai, que fica completando com as memórias dele. Vai ter outro encontro dos Hax em Setembro e estamos fazendo a arvore genealógica da família, vim aqui pra "roubar" umas fotos da Vó Olga. Estamos adorando! Parabéns!!!

    By Blogger Natália Hax, at sábado, agosto 03, 2013 8:07:00 PM  

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